segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Lyrics para Van Gogh by John Stills
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
John Stills muito só.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Um dia na vida de John Stills.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Como se fosse uma questão de juntar palavras!
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Um Mundo Cinza
Acordo. Um ar cansado abomina meu quarto. Abro a janela e vou à sacada. Apoio-me sobre o parapeito. Percebo uma poeira negra sobre tudo. Há um mundo cinza lá fora. Pegajosa, a poluição suja minhas mãos. Tento limpar a minha camisa que se mancha irremediavelmente. Os olhos doem em olhar o céu que vai chover. De longe, um caminhão ronca sofrendo rochas às costas da caçamba. Dentro, o motorista fuma um cigarro e enxuga o suor e pó da testa. Da estrada, que leva para mais além, o mundo se amplia até as chaminés das fábricas. Velhas mudas, cansadas do trabalho da madrugada, fingem dormir, mas não param nunca. De baixo dos negros telhados, raspas de carvão contaminam chips, óleos grudam em circuitos, farpas de aço riscam placas de acrílico. Num metabolismo rudimentar, sofisticam dia a dia a arte de fabricar poeira.
domingo, 27 de julho de 2008
John Stills, fazendo base para Bob Dylan!
(“...for ever young! For ever young...”)
Vejo o que não posso tocar.
Distante demais, você disse.
E eu perguntei?
Algum dia estivemos perto?
Nem perto chegamos.
Não haverão dois Bob Dylans.
Cara, quando é que isso vai acabar?
Nunca. Rock´n´Roll will never die!
Nunca haverá outro como Bob Dylan.
Vejo tudo longe demais.
Só que isso não quer dizer que tudo está perdido, apenas distante, cada vez mais.
É, sonhar faz mal, dá psicose!
Agora eu sei o que quer dizer ídolo... Bob Dylan!
Vi o filme do The Band pela milhonésima vez.
Acabam todos fazendo base para o Bob Dylan!
Enquanto isso, na sala de justiça, nós fazemos a nossa parte mantendo os ídolos em suas devidas catedrais!
Long Live Rock´n´Roll! … and I like it, like it, yes! I do!
quarta-feira, 18 de junho de 2008
John Stills e a Camiseta Preta Maldita!
O fato é que sentei, como de costume, no meu confortável canto e pedi cerveja. Estava as contas para ver até quando me sustentaria sem trabalhar. Absorvido pela matemática funerária, já que trabalho é morte na certa.
Depois de horas, passado o perigo de uma revanche ou emboscada, saí caminhando em direção à praça. Olhei para o lado e vi o trem passando lentamente pela ferrovia. Em cada janela, uma mulher com uma flor branca no cabelo. Elas eram todas a mesma, todas iguais e tinham um olhar de ópio. Sorriam como Monalisa para o horizonte. Duzentos vagões passaram até que elas me vissem. Percebi que eram tatuadas na face com arabescos antigos. Pareciam dizer algo que não sei pronunciar. Assim que me fitaram, seus olhares transformaram-se de veneno opiáceo para ofídico. Senti medo. Apertei o passo. O trem começou a me seguir. Mais na frente, percebi que minha vida estava sob risco. Do telefone mais próximo, liguei para os irmãos Young. Quis perguntar se, afinal, eles sabiam o que estava acontecendo. Infelizmente não aceitam ligação a cobrar.
Senti sede e entrei novamente no bar. Olhei minha camiseta pelo espelho. Dois sinos gigantes e a frase “Hells Bells”. Tive certeza que tudo isso era uma piada. A mulher do trem entrou no bar a minha procura. O diabo, muitas vezes anda sobre delgadas pernas e com meias três quartos.
terça-feira, 10 de junho de 2008
John Stills, um leitor medíocre.
(Dedico esse texto aos que são aficionados por manuais gramaticais. Eles sempre vêm aptos a dizer sobre o certo e o errado. Para esses meus amigos, eu tiro a cartola -LIKE JOHNNIE - Sem eles tudo seria ilegível! Obrigado.)
***
Confesso que estou abestalhado com a ebulição moderna dessa literatura em rótulos geralmente acompanhada por um fino trabalho pictórico.
Admiro como esses poetas conseguem colocar tanta emoção num recipiente tão pequeno. Muitas vezes, apenas dois ou três litros dessa poesia comovem dezenas.
Todavia, os rótulos me facinam! São a nova e mais bela poesia, produto, literalmente produto de nossa era industrial. Rótulos abarcam uma estética sublime.
Como exemplo, veja-se esse autor, amigo meu, Johnnie Walker. Elegante gentleman de cartola e bengala. Obtuso e altivo! Há quem diga ser comparável ao poeta maior, Goethe. Sem trocadilhos, Johnnie é lido até a última gota em todos os continentes. Eu mesmo, toda vez que leio sua poesia, me sinto tal qual o joven Werther, apaixonado e bêbado como um idiota (Ora, que romantismo nojento é esse! Arhh! Acho que vomitei!)
Nunca descobri a real profundidade desse verso, por isso sigo tentando saber se Johnnie está tratando do whisque escocês da rainha, o whisque da rainha escocesa, a escócia da rainha do whisque ou a rainha do whisque escocês. (Pouco importa a magestade, estamos no Brasil, supostamente uma repúbica de bananas.)
Tanta coisa dita ao mesmo tempo! Oh, insgotável poesia, só termina no fim.
Opa, mudei de assunto! Eu preciso ficar mais concentrado. Vejamos, onde parei… Ah sim, novamente... nos versos de meu amigo Johnnie Walker : “1 LITRE BOTTLED IN SCOTLAND 40% VOL” e a aumenta o vol. “AUMENTA QUE ISSO AÍ É ROCK ´N ´ROLL”, falou e disse o inequívoco Celso!
sexta-feira, 6 de junho de 2008
John Stills sentimetal depois de uns goles de vinho!
Estamos no fim do outono, mas já sinto um ar de primavera.
Pressinto o anúncio da tua presença!
Mágica, eu busco a Aurora por trás da sebe.
Réstia!
Afundada em lágrimas de alegria, Aurora, és fim da noite e nascer do dia!
Olha-me por trás da colina negra!
Sol maravilhoso, aqueça meu coração!
sexta-feira, 23 de maio de 2008
John Stills e o Mundo no Avesso
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Como John Stills fez amizade com Demétrio Scadelli e um tal Jim
Naquela tarde, presos sob o sol californiano, sem ter controle sobre nossa situação, capturados pelo tédio mortal do trabalho braçal e pela pressão stressante da produtividade empresarial, envolvemo-nos no dilema mais curto da história humana. Um olhar cúmplice nos levou a ação mais provável... Com aqueles 10.000 litros de chop gelado, nada mais poderia ser feito, a não ser, beber. Abrimos um barril de chop e ficamos sentados na mureta da praia olhado o mar, sentindo a brisa quente, discutindo Willian James e Edgar Alan Poe enquanto caia a tarde e o congestionamento irritava os que se irritam com congestionamentos.
Não tardou, Demétrio boa pinta, juntou ao seu redor um harém de lindas californianas que iluminaram nossas vidas como lamparinas em noite sem lua. Todo o mundo se reduzira ao amarelo solar do chop alemão e ao nosso cenário de beldades a beira da praia.
Do outro lado da rua estreita, havia uma casa velha em que moravam alguns músicos. Como bons músicos e excelentes farejadores de festas, logo proporam-se (em troca de alguns goles) a montar toda a sua aparelhagem ao lado do nosso caminhão. Fiz amizade com um tal Jim, que cantava na banda chamada As Portas (nunca mais o vi, dizem que morreu).
Cara, ficamos dois dias presos no tal congestionamento - que dilema- bebemos um caminhão de chop ouvindo o bom e velho Rock´n´Roll, cercados das mais lindas garotas da Califórinia.
É por isso que eu considero Demétrio Scadelli um cara de sorte, sério trabalhador e boa pinta, apesar do seu sobrenome.
A VELHA E O ÓRFÃO. ( Um poema de Demétrio Scadelli-13/08/2007)
mas a Dor do Silêncio não quis assentar...
Quis sair, a velha sorrateira, com palavras mil,
De dentro do peito, que é seu lugar!
Comentário: -Volte, Indecifrável (Voz)! Miséria dos Miseráveis!
Quis armar corações com chamas iradas
e converter meu pesar em desilusão!
Porém, contra Tudo e pelas Razões erradas,
só fiz cavar mais chagas em meu Coração.
Comentário: Sou Eu, minha voz, velha sorrateira, que engano e por quem sou enganado!
Essa Voz que grita a Mentira e a Dor,
pronunciando maldades aos Ouvidos mudos (de nascença).
Empedra minha Mente, esfria meu Calor...
É uma Voz de ressentimento e mágoa!
Porque já É tempo de calar-se, Voz senil!
Deixe falar alto o Pensamento!
Comentário: Pensamento órfão, tão só! De que Puta és filho?
terça-feira, 8 de abril de 2008
John Stills, Johnnie, Walker, David Bowie, Fred Green, Mary Fly e a garrafa!
Fui à cozinha e abri a garrafa do Red Label. “Johnnie, my friend”, o homenzinho caminhou e acenou com a cartola. A Garrafa gritou para mim “John, my love!” e demos um longo beijo daqueles que parecem nunca acabar. Fiquei quieto por um segundo ouvindo os sons de vídeo-game da música Andy Warhol de David Bowie e rimos juntos. Nós quatro, eu, Johnnie, David e a Garrafa. É tão bom ter uma turma animada de amigos por perto. Ficamos um bom tempo falando de Andy Warhol. Olhei pela janela, Fred Green estava chegando. Fredy é um cara fino. Anda sempre elegantemente vestido com seu terno verde. Ah! E como se veste bem. Eu sorri quando ele entrou pela porta sem dizer palavra. Já sabíamos o que iria acontecer. Havia um ar de tormenta nas ruas. Um vento forte soprava em nossas cinturas esfriando tudo que vem de baixo. Nada a temer, apenas umas nuvens negras. Johnnie continuou caminhando e eu troquei muitos beijos com a Garrafa. Eu vi Fred Green tentando comer Mary Fly, a mosca, ela também adora verde, mas é difícil pegá-la. Tudo bem, Fred é um especialista nesse tipo de mulher, sua língua é infalível. Todo o meu mundo dormia tranqüilo e eu não tinha mais nada para fazer. A fumaça dos charutos cubanos que eu havia roubado da tabacaria, davam o clima de uma noite quente, da cintura para cima. Foi quando uma forte luz invadiu o ambiente. Da tormenta, surgiu uma série de relâmpagos coloridos de branco, somente branco. Olhei para meus amigos e os tranqüilizei, “Nada afundaria esse barco”. Mas o branco assumiu todas as dimensões da visão e eu não podia mais ouvir David. Caí entre os cacos de minha amada e cortei a jugular. Eu poderia ter acordado a qualquer momento, mas preferi ver o sangue negro escorrer pelas lajotas sujas. Lá fora, uma ar de tormenta gelando da cintura para baixo. Aqui, um calor de tabaco esquentando da cintura para cima.
terça-feira, 4 de março de 2008
John Stills, elegantemente!
Caminhou por lugares distantes
nunca visitados ou conhecidos!
Traçou novos caminhos
por entre as palavras, ritmos, rimas e significados!
E veio a ele a inspiração.
E apressado acelerou o passo.
E escreveu desesperadamente.
Então, o poeta, na velocidade do coração,
Riscou o papel rapidamente.
Re-elaborou velhas idéias.
Fez as palavras falarem
coisas nunca ditas antes.
E correu como um louco.
E a caneta rasgou o papel.
E, cambaleando, caiu o poeta.
Perdeu a cadência.
Perdeu a rima.
Rolou pelas palavras.
Esfolou-se nos significados.
Tudo, num ritmo errático e desconcertante.
E caído, chorou como um bêbado.
E machucado, gritou como um morcego.
E morto, levantou-se como um bebê.
Foi aí, que percebeu velhos caminhos
entre as novas cercas.
Foi aí, que lapidou o verso
derramado ao chão como sangue.
Levanta poeta!
Tem alguém que lhe espera.
Ponha-se a correr novamente!
Está atrasado!
A inspiração não descansa.
sábado, 1 de março de 2008
Uma História Sem Pé Nem Cabeça
Uma história pode terminar de várias formas. O fim pode ser apresentado de cara. No começo. Pode ser apresentado no meio da história, ou pode ser revelador, conclusivo, no próprio fim. Muitas histórias não têm fim, simplesmente continuam indefinidamente, nunca acabam. O fim pode ser um infinito sem-fim. Nossa história vai ser assim, sem-começo e sem-fim.
É claro que terá um atrativo ao leitor. Nossa história pode ser um bicho sem-pé nem cabeça, mas tem algum corpo atraente. É esse corpo que foi encontrado pela multidão faminta. Estava escondido, oculto, enterrado. Um corpo-atraente, sem-pé-nem-cabeça. De certa forma um quase-corpo de uma quase-história, ou melhor, uma quase-história de um quase-corpo.
Jazia morto, já que sem cabeça ninguém vive, ainda que dê para viver sem pés. Foi quanto alguém perguntou:
- De quem é esse corpo sem pé nem cabeça?
Rapidamente outro alguém na multidão gritou:
- É do escritor, esse monstro! Ele criou um monstro sem pé nem cabeça.
E este é o nosso horror que ao mesmo tempo atrai. Horror de toda a escrita. Uma criação frankesteiniana. O escritor transformou-se em corpo-texto, mas não foi capaz de completar-se.
Naquela faminta multidão, nada era unânime. Alguns, atraídos pela situação, não podiam tirar os olhos do quase-corpo, pois havia um quase ser ali. Uma algo atraente. E todos queriam saber, de onde veio, para onde vai, como começou e como acabou.
Embora o horror tomasse conta de todos, o atraente corpo exiba-se escancaradamente com todas as letras à multidão. E esta olhava com cobiça para suas partes. Não se sabia se a multidão era atraída pela palidez mórbida do corpo, ou se pelas suas tatuagens, ou pela sua juventude latente, ou pela sua incompletude, ou por alguma tara necrófila recalcada em inconscientes coletivos dos quais somente investigações pscicanalíticas poderiam revevolver. Algo era realmente atraente naquele corpo sem-pé-nem-cabeça. E a multidão olhava para a quase-história vasculhando seu atraente corpo com olhos famintos. Como que o devorando sem devorar.
Eis que o corpo pulsou vivo naqueles olhos famintos apesar da sua morbidez. Na imaginação dos leitores, platéia atônita frente ao quase-corpo-quase-história-sem-pés-nem-cabeça. Muitos vasculharam sua nudez, outros suas entranhas mornas, alguns ignoraram a sua materialidade, outros amaldiçoaram sua espiritualidade.
De fato, comiam letras com olhos. Um canibalismo orto-para-meta-simbólico. Rasgando frases com os olhos, à procura de algo que não se sabia o quê.
Eis que alguém grita:
- Assassino!
E nasce o criminoso e seu crime. Pois claro. Porque o escritor haveria de esconder aquele quase-corpo? Só poderia ser fruto de algum crime! E assim o corpo-texto-quase-quase é agora criação-e-assassinato. Aquela imoralidade criminosa fruto do pecado de mexer com as sagradas letras. Uma escrita infame que de nada serve, sem-pé-nem-cabeça. Eis que era esse o motivo do crime! Escritor culpado pela sua criação frankesteiniana incompleta resolve liquidá-la. Era uma história sem-fim, quanto mais queria livrar-se dela mais ela o atraia. Uma maldição compulsiva. Envergonhado, o escritor tentou esconder a quase história entre papéis na gaveta. Porém, ano após ano, ela voltava como maldição sem pé nem cabeça a atormentá-lo. Cansado, o escritor resolveu enterrar sua criação-mostruosa-atraente. E assim o fez. Só que alguém suspeitou...
Rolling Stones, Rolling Rocks ( John Stills afundando no sofá)
Sou pela vida afora, errante.
Rumo sem tempo!
Viajo longe.
Vou só.
Sigo.
!
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Ride with me babe... (John Stills ouvindo Steppenwolf)
Suba na garupa Baby. Seguiremos até o fim dos tempos.
Não tenha medo até que venha a grande tempestade e, enquanto ela não chega, deixe voar os cabelos. Embaraçar tuas tranças tal como estão nossos sonhos. Fios despertos de uma realidade impossível, porém, tenra e atraente.
Um gelado vento irá congelar nosso rosto, mas não vai secar nosso amor.
Venha Baby, vamos comigo até o fim do mundo!
Meu blusão preto de couro, uma velha estética que não desiste em deixar nossa vida. Fica sendo vida como romance, urbano e selvagem, ao mesmo tempo. Somos do século XX perdidos no XXI! Não haverá drama em nossa esteira. Nosso amor é a cópia da vida ou ela própria ? Não importa!
Quando vier o grande cogumelo, subindo gigante pelos céus em fogo, não esqueça, vou acelerar mais o motor, segure firme em meu braço. Quero sentir de frente e de peito aberto a onda mortal que ceifa as cabeças desatentas.
Não tenha medo “baby”, apenas aperte meu corpo.
Vamos juntos até o grandioso Fim.
Em nenhum momento! O melhor não esquecerei! Em nenhum momento!
Foi você a única ternura. E eu sei que foi Amor, sim!
Sei que me ama tal como eu a você e, ainda, muito mais que eu, a mim mesmo!
Não esquecerei seu perfume e seguiremos até o fim dos tempos, até o fim do mundo e até o grandioso Fim!
Não perderemos nada do espetacular, pois dele somos protagonistas.
Então, agora baby, diga alguma coisa, pois só sua voz poderá calar meu coração aflito, ainda que cheio de coragem!
* * *
E assim, louco, balbuciando eternas palavras de sua boca perdida na grande barba setentista, seguiu só, maltrapilho, pela grande avenida. Enquanto as centenas de carros zumbiam no ar ele olhava, atônito, para mais um por do sol solitário!
NO FIM DA DOSE
E o frio, pela boca, desce...
É quando, elevado ao máximo,
se distingue quem sabe!
Para quem sabe, não há
como deixar de saber,
pois, uma vez sabido,
como poderá esquecer?
E se o corpo está cheio...
E se o bolso está cheio ...
E se a alma vazia...
E se a sala vazia?
Pode, então, o garçom
aparecer junto com o bater
das pedras meio derretidas
no fim da dose.
Então é só pedir...
E começar tudo outra vez...
Inspirações Morrisonianas ( John Stills ouvindo The Doors)
Veja as luzes lá fora. São as luzes da cidade brilhando para nós. Você vê. Escute-as. Basta um olhar sobre os tigres para ver que se está matando alguém. Não é um grande negócio mas, basta. Alguém carrega um corpo e você pega, olha, cheira e cai fora de mansinho. São as luzes vermelhas soando com a chuva. Você conhece o progresso das estrelas e as chaves da vida? Você pode inventar alguns símbolos de cerimônias esquecidas, estas copulações de mãe com flores de fatos sangrando pela tevê. E algo pianístico, como a lua, que rouba as feras da próxima quadra.
Ninguém criou esta morte morrendo. Nós vivemos e morremos como homens de luz. Tentamos encontrar uma visão daquela morte verde. Não é hora para decidir sobre estas coisas. É hora de tocar com o punho de trovão e destruir todo o resto. O caminhão que traz o assassino é uma mentira podre. Pois não há como cumprir a mentira. Onde está meu vinho? Onde está meu vinho da morte? Morte de segunda feira?
É difícil acreditar que mais um será vingado pela tragédia que romanos e gregos fizeram. O problema é a marca de toda solução. Os caminhos mais curtos não são a chave do candelabro das doenças que fazem marinheiros ficarem presos em programas de tevê.
Círculos de arame ( auto-biografia radical de John Stills, vulgo Arame Farpado)
Sara de tola não tinha nada. Ela é do tipo meio malandra, meio idiota. Faz as maiores e mais mirabolantes jogadas pra conseguir as maiores e mais extravagantes quinquilharias. Eu sabia, contudo e no fundo, que tal história, de estar grávida de Sérgio, era pretexto para filar um cigarro. Mulher maluca, enquanto contava estórias, ríamos como doidos da precariedade de nossas vidas, inventando problemas maiores do que os que tínhamos pra esquecer quem éramos de verdade: desocupados.
Quando a conversa descambou para um lado mais deprê, não dei bola, deixei-a afundar-se nas divagações e asneiras e fiquei comigo mesmo pensando: “De lixo o mundo está cheio, e eu sou a prova viva de que o lixo está vivo”. Através destas conversas sem pé, nem cabeça, acabei lhe dando (e ela fumando) o maço inteiro de cigarros. Com a mão esquerda os acendia, tal como galante e cortez cavalheiro. Grávida ou não (é claro que não, nem barriga tinha! É que, sinceramente, acredito que mulheres grávidas não devem fumar!) nada mais me restava: olhar as estrelas e de vez em quando suas tetas. Fumar com Sara, trocar mentiras absurdas com Sara, falar sobre sua falsa gravidez, sua falsa criança e seu falso amante-pai, beber com Sara, trepar com Sara (também sou contra transar com grávidas!). Depois descartá-la. Bem, acho que não há nada de mais em fantasiar, ainda mais quando se retorna ao ponto de partida. Sara é muito feia, é mentirosa, pouco confiável e ainda mais ta saindo com amigo meu. O negócio é cair fora. Então voltemos onde tudo começou.
Há cinco meses atrás reli On The Road de Jack Kerouak. Nada de especial, só que resolvi sair por aí de carona depois de um grandessíssimo pileque. Não imediatamente depois do pileque, pois, entendam, imediatamente depois de um grandessíssimo pileque vem uma grandessíssima ressaca. Foi então, para dizer a verdade, após um dia de cama, náuseas e muita dor de cabeça que resolvi partir para nunca mais voltar. Lá estava eu na beira do asfalto ...mochila nas costas... dedão arriado pra pedir carona. Quem já fez isso bem sabe das expectativas e esperas. Definitivamente, pedir carona é um exercício de paciência suprema. É estar no acostamento de uma estrada violenta, onde, por hora, passam um milhão de milhões de carros, todos em velocidade elevada. Passam caminhões barulhentos e fumacentos e como moscas atrás da M. são seguidos por famílias inteiras de pequenos veículos alinhados. Um balet dramático que parece como um daqueles dragões de teatro oriental. A cauda longa é composta por um mosaico de sorrisos e caras feias. De acenos de mão e/ou outros sinais negativos. Puta que o pariu! O pior é que a cada vez que um babaca parava para me dar carona, eu me lançava em uma corrida desesperada no acostamento... nunca me toquei que poderia elegantemente andar até o veículo. Esse desespero de, ao ver a carona em potencial, sair correndo como louco e, esbaforido, perguntar pela janela do veículo: “está indo para onde?” é, talvez, a coisa mais idiota que me sujeitei a fazer na vida. Como me sentia otário! Dar sorrisos falsos para estranhos birutas (eu mesmo nunca dou carona!). As viagens sem destino são sempre rotinas em sua extrema falta de rotina. O desconhecido é uma matéria amorfa em que nos lançamos impiedosamente. Ocorre que a transformação do desconhecido em conhecido, às vezes, é laboriosamente tediosa. Nem só do espanto nasce o conhecimento, ele também nasce da tortura e do tédio! Para mim, viajar de carona, são noites por aí bebendo (tudo e qualquer coisa), dias esperando (não sei o que)... De fato, as minhas partidas para nunca mais voltar sempre me levam onde tudo começou.
Bem, é que eu queria contar sobre o que pensei naquele dia em que estava de ressaca, partindo de carona para qualquer lugar. Eu encavara tudo como uma intensa investida contra uma vida normal, rotineira, cotidiana e medíocre. Lembro que, ao mesmo tempo em que apertava os cordões do fecho de minha mochila, cortei-me com um ilhós frouxo. Um corte superficial, mas muito doído. Parecido com minhas paixões, como um desesperado grito lançado ao ar, como a última súplica de um moribundo, cuja causa morte é nada mais que arranhões que se curariam facilmente. Naquele dia, ao cortar-me, acabei por me dar conta da fragilidade do meu corpo. Fiz imediatamente um inventário dele: cabeça, dois braços, duas pernas, dois pés, duas mãos, um nariz, duas narinas, uma boca, uma língua, um peito, dois mamilos, duas orelhas, ossos e caveira, costas, milhares de cabelos, pelos e pentelhos, bunda, várias entranhas, fígado, rins, coração, pau, duas bolas, dez dedos (vinte com os pés, sendo um cortado superficialmente)! Eis o inventário de minha constituição corporal Tentando localizar tudo o que podia lembrar ou perceber existência, como que num monólogo ensurdecedor, fui pegando todas as peças da patética lista e joguei-as debaixo de um rolo compressor...
É isso aí! Debaixo do rolo compressor pra esmagar tudo. Vi todo o meu corpo virando carne moída... verdadeiro guisado mal passado. Tal qual a morte das formigas, que tanto aprecio esmagá-las, joguei-me debaixo do rolo compressor, esfacelado, moído, triturado, ralado, esmagado, sem osso, nem pescoço... como carne moída no açougue! Como um hamburger, eu era sangue para todo o lado. Fiquei com um puta nojo de mim mesmo! O rolo compressor sempre vem correndo atrás de mim. Sou como a formiga, uma pequena máquina biológica movendo-se incansavelmente com ligeiras perninhas e um par de indiscretas antenas... Esmagar formigas é um ato terrível, mas ao mesmo tempo tão reconfortante. É da imensa angústia de oprimido que tiro as forças para ser opressor ( ou melhor, comprimido e compressor!)
Um basta para a morte cruel de formigas! A partir de hoje só as matarei com água fervendo!
Pensar em meu corpo era algo que fazia diretamente uma conexão com pensar sobre minha morte. De fato, mais uma vez, sempre volto para os mesmos lugares. Nessa viagem de pensar, acabei por voltar, de novo, para mim. Estava vivo!
É que dias antes eu havia visto um acidente de carro e aquilo me impressionou demais. Fora uma capotagem. A menina estava com a cabeça esmagada e berrava sem parar... Demorou horas para morrer... O corpo é muito frágil. Qualquer pancadinha a 180 Km/h faz voar carne para tudo quanto é lado. Na dimensão corpórea somos todos iguais. Carne.
Certa feita veio a mim um pedreiro. Tomamos alguns litros (ou o parte deles) em algum bar em Minas Gerais. Era um tipo esquisito. Negro como noite sem lua. Velho como a primeira edição da bíblia. Falava como um rádio AM. Bebia como um opala 6 cc. Ria como uma criança. Seu João era um desafortunado ser de humildes ambições terrenas. Seu João era o herói de todas as minhas desilusões. Sem filhos, era pai perfeito. Sem mulher, o marido perfeito. Trabalhava na pedreira de sol a sol... quebrando pedras (óbvio). Mais ou menos como costumam representar a condenação dos trabalhos forçados nos filmes. Uma condenação perpétua que desde a infância carregava com o prazer que Cristo carregou a cruz (só crente crê nisso). Quebrando pedra a marretada o dia inteiro. Cada dedo do Seu João tinha a espessura de um rifle 12.E mesmo assim tocava violão tão bem, mas tão bem, que nem me arrisquei tirar o instrumento de suas mãos.
E ele me falou:
- O importante não é ter, mas ser!
É que achei tão bonito... tão anti-burguês, tão anti-capitalista, tão heróica a sua sina, sua triste figura, sua humilde existência, nem por isso menos rica que qualquer outra.
Só agora descubro seu feitiço. Esse Seu João era um bruxo maligno que vivia naquelas bandas a enfeitiçar os forasteiros fracos de espírito e sugar deles a essência de suas almas. Seu feitiço consistia em fazer com que os forasteiros sintam vergonha de si mesmos. Vergonha de carregar tão pequenas mazelas em malas cheias de mágoas. Seu feitiço, pois, é ser! Mas ele não era um feiticeiro como o daquelas imagens vulgares do tipo com chapéu de cone! Era mais do tipo Don Juan do Castañeda. Uma espécie de sábio sabido velho do interior, do mais longínquo e inóspito sertão, que faz chá de ervas psicotrópicas e, ao fim, desenvolve uma verdadeira filosofia capaz de argumentar avassaladoramente contra qualquer fiapo de modernidade.
Maldito feiticeiro! Nunca mais fui o mesmo. De lá para cá volto sempre aos mesmos lugares.
Outra certa vez, em uma cidade distante, escrevi uma carta para mim mesmo. Postei no correio. Esperava recebê-la quando voltasse para casa. Não dizia nada. Era tal qual cartas secretas escritas com sumo de limão que somente sob a luz revelam os escritos. Essa minha carta só faria sentido à luz de alguém que a lesse no futuro. E esse alguém seria eu mesmo, modificado pela experiência do retorno. Hoje quando releio essa carta sinto e vejo que ela não diz nada com nada, era mais para ter o envelope carimbado com aquele carimbo redondinho dos correios, como que para provar a mim mesmo que eu estive no tal lugar. Mas aquele não sou mais eu! Nome do Município: Puta Que o Pariu, Distrito: Onde o Judas Perdeu as Botas, Endereço: Avenida Brasil S/N.
Entretanto, o que eu queria contar mesmo não são estes aspectos grosseiros de uma viagem a nada e que só fez trazer-me de volta ao ponto de partida. Como que cruzando um tempo ritual, que, do caos, ao fim, só marca e afirma a própria ordem soberana do cotidiano. Queria contar sobre os círculos de arame que descobri. Circulos feitos de fios lineares, delicadamente dobrados, cujas pontas são perfeitamente soldadas, de forma que se perdeu o saber localizar seu ponto de junção. Queria falar da circularidade que assumem essas formas, que são antes de tudo, lineares. Do vazio que elas têm por dentro. Da frieza de sua estrutura metálica. Da propriedade de amassarem-se fragilmente e perderem sua forma. Dizem que o círculo representa o feminino. Talvez seja algum tipo de arquétipo Jungiano (coisa para intelectualóides). Não conheço muitos círculos de arame. Só sei que os meus círculos são de arame farpado.
E para aqueles que também pensam que viver é um constante suicidar-se, vai uma citação de Durkheim de “O Suicídio” ( famoso sociólogo francês que morreu de desgosto sem se suicidar).
“O homem não poderia viver se fosse inteiramente refratário à tristeza. Há muitas dores às quais só podemos nos adaptar gostando delas, e o prazer que temos nisso tem necessariamente algo de melancólico. A melancolia, portanto, só é mórbida quando ocupa um lugar excessivo na vida; mas não é menos mórbido excluí-la completamente. É preciso que o gosto pela explosão de alegria seja moderado pelo gosto contrário; só sob essa condição ele manterá a medida e estará em harmonia com as coisas.” ( citação da pg. 477)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Uma Noite Sem Lua
Volta e meia parávamos para verificar a direção de nossa jornada, confirmar sinais de pegadas, ouvir ruídos ao longe. Andávamos cada vez mais rápido. A cadela quebrava esse frenético ritmo com seu ofegante respirar. Corria a nossa frente, latindo de vez em quando. Atrás de mim ia o capataz com a espingarda. Não sabíamos ao certo o que encontraríamos. Como toda a vez que caçávamos, não podíamos prever qual animal seria abatido. Contudo, sentíamos uma excitação terrível causada pela ânsia em devorar carne de caça. Então, éramos como as onças desesperadas por comer qualquer filhote menos avisado. Por outro lado, sentíamos um funesto aperto no peito, uma sensação de transgressão que nos forçava a sorrir amareladamente um para o outro. Eu sabia que não devíamos estar ali. Não era um dia propício a caçada. Estava tarde, logo estaria escuro, muito escuro. Essa noite não teria lua.
Por esses lados, a mata é densa, porém as trilhas são largas e pisoteadas. Segundo o velho capataz, não haveria razão para serem tão limpas as trilhas. Tudo parece como se houvesse um grande e constante tráfego a manter sempre abertas essas avenidas. Só que ele era o único morador a quilômetros. Excetuando eu mesmo, que estava por ali há apenas dois meses, ninguém maisconhecido freqüentaria estas trilhas. Vez por outra, o capataz desconfiava da passagem de invasores, posseiros e aventureiros. Às vezes, falava que estes caminhos eram utilizados por índios ainda selvagens ou por ciganos errantes. Falava estas coisas para me assustar. Mas eu sei que, no fundo de sua alma, sentia que estas trilhas eram mágicas e acreditava que por ali circulavam lobisomens, bruxas e fantasmas. Eu ria de suas especulações, preferindo acreditar que eram apenas fruto de sua imaginação ou de sua caduquice.
A maior dificuldade em nossa empreitada estava em manter o ritmo forte da andança. Sabíamos que, se não nos apressássemos, perderíamos nosso jantar. A certa altur,a paramos para ouvir os latidos altos da cadela que estava distante. Tensos, corremos em disparada.
Antes de sair de casa, eu mesmo havia conferido a munição da espingarda. Estava bem ajustada, porém, só tínhamos dois cartuchos bons. Eu sentia que era eu quem devia empunhá-la, mas o capataz era teimoso, duvidava da minha habilidade com a arma. Queria, ele mesmo, matar a presa. Era como uma compulsão patológica por matar e essa atividade lhe fazia luzir os olhos. Eu tratei de trazer comigo um pedaço de pau bem duro e pesado, um cabo de uma enxada velha que serviria como tacape em alguma emergência. De mãos vazias eu nunca sairia de casa. Ainda mais em noite sem lua.
Quando começou a escurecer, eu sabia que as coisas não estavam bem. Como eu disse, era uma estranha sensação de que não deveríamos estar ali. Ficava pensando na minha viagem, em meu estranho destino. Eu era um homem urbano que fugira da cidade. Foi por acaso que conhecera o velho em um bar bebendo pinga. Agora eu fazia companhia para ele nesse sertão bravio, nessas intermináveis e densamente negras noites sem lua. Nunca fui um homem do mato. Eu sou um ser urbano das grandes cidades. Estava perdido no meio dessas minhas expectativas e angústias. Naquele momento, eu não conseguia me situar para além da situação de que me encontrava, ou seja, de seguir uma cadela com porrete na mão, correndo atrás de meu jantar.
Ocorre que num piscar de olhos me perdi do velho. Quando dei por mim estava longe demais de sua presença. Os sinais da mata, como que se metamorfoseavam sob meus olhos. Tudo se tornou negro no meio das trevas da noite. Não distinguia nem ir de vir. Não só me perdera de meu companheiro de caçada como estava perdido na selva. Fiquei a pensar qual bifurcação tomara por engano. Os sons misturavam-se ao bater do coração. Tentei chamar gritando. Mas não ouvi resposta. Ao me perder em pensamentos, acabei por me perder na mata.
Minha primeira reação foi esperar. Mas os minutos demoraram séculos. Ao longe ouvi um tiro. Em um estalar de instante ínfimo, um mapa mental se formou e me localizou na floresta. Sabia que o velho estaria voltando para casa. Pus-me a voltar também. Primeiro andei lentamente. Tratei de encarar a caminhada como um passeio psicodélico por entre a floresta negra. A noite era mais escura que habitualmente. Os sons eram mais profundos... os cheiros mais fortes... os animais mais ferozes ...o medo mais gelado.
Por fim, fiquei sedento de uma sede estranha. Isso, um pouco pelo cansaço, um pouco pelo nervosismo. Mais à frente encontrei um córrego de águas cheirosas. Havia algumas flores de datura em toda a extensão de seu leito. São as elas as Damas da Noite. Seu perfume embriagava o ar. Suas flores abriam-se brancamente na escuridão. Não sei por quanto tempo fiquei ali contemplado sua beleza e sentindo seu perfume. A noite me deixara cego, mas estas pétalas me traziam a luz e seus odores me extasiavam. Ao me abaixar para beber água acabei por colocar a mão em uma coisa peluda. Assustei-me e dei um sobressalto. Apavorado procurei me defender. Mas não havia nada ali. Eu só poderia estar maluco. Olhei mais de perto e tive a impressão de ver o couro de um animal preto semi enterrado no chão, semi decomposto por vermes. Não tive como reconhecer de que animal se tratava, não era nenhum dos que eu conhecia. Tive nojo em ter bebido aquela água. De repente, senti centenas de formigas pelos meus braços e pernas. Debati-me violentamente até expulsá-las. Como o pânico havia me dominado, tratei de correr desesperadamente. Os segundos pareciam horas.
Não entendia nada do que estava acontecendo. Por fim tentei recordar a sensação quente daquela coisa peluda. Era macia como pelo de gato, mas a pelagem era mais comprida e espessa, como a de um cachorro ou urso.
Já mais perto de nosso rancho, senti novamente outra sensação estranha, embora houvesse esfriado com o cair da noite, eu sentia uma confortável quentura em minha pele e, como estivesse correndo desesperadamente, o suor estava ausente de minha pele.
Quando aproximei do barraco, a cadela latiu nervosamente para mim. Estranhei, pois ela nunca me ameaçava, éramos cúmplices de infantis brincadeiras, de forma que não entendi sua atitude violenta. Quanto mais eu chegava perto, mais bravia ela ficava, até que o velho abriu a porta e gritou apavoradamente: “- Deus e minha Nossa Senhora me salvem!” Eu apertei meu passo em sua direção para atender seu apelo, mas o velho mirou em mim a espingarda e atirou no meu peito. Ao cair sangrando, surpreso, sob a luz do lampião que iluminava o terreiro, deparei-me chocado com minha última experiência em vida: minha pele estava como aquela da fera do riacho! Saiam pelos horrendos de meus braços e pernas. Como último gesto, toquei minha face, senti meu focinho com minhas garras. Eu me tornara um monstro.
Ao acordar senti uma forte dor no pescoço. Estava deitado em minha cama. Não tive coragem de abrir os olhos. Tentei levantar, mas minhas pernas não respondiam aos comandos. Ergui a cabeça e vistoriei meu corpo. Toda aquela pelagem negra desaparecera. Com mais coragem, dei nova ordem as minhas pernas que, desta vez, obedeceram. Quando sentei na beira da cama pude constatar meu pesadelo e pensei que estivera sonhando. Mas ao olhar para o canto do quarto, vi a horrenda fera do riacho ressuscitada que agora me vigiava com dentes ferozes a mostra. Gritei por socorro chamando o velho e a fera respondeu com sua voz: “- Estou bem aqui!” Mostrou novamente seus caninos e num salto pulou sobre meu corpo rasgando minhas carnes.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Conto do Carro a Cento e Setenta
Ao sair fui direto para casa. Lembro sentir um entusiasmo alucinante, mas não me achava embriagado, afinal foram apenas alguns drinks... No ônibus já não me continha, a pressa estava me matando. Quando subi as escadarias, senti uma forte energia, um ímpeto incontrolável... lá estava ele... meu carro, na garagem, possante, seis cilindros. Eu tinha mania de ir ao trabalho de ônibus e usar o meu carro só para passear.
Peguei a chave e sai com a super máquina... Faróis acessos, uma leve neblina... passei no posto de combustível, abasteci, comprei três cervejas e um charuto cubano. A noite estava com um indescritível ar de novidade. Avenida livre, cento e setenta. O ronco era lindo, a velocidade, sempre a velocidade..., tudo parecia não ter controle e na barriga, o frio de um punhal penetrante de gelo. Ao acabar o trecho, senti que o motor deu uma falhada... tentei manter a aceleração... não recordo bem, acho que o motor pareceu perdeu potência....
De repente tudo voltou ao normal... fiz um retorno no final da pista e voltei o mesmo trecho... cento e setenta... agora mais firme, sem temores, friamente segui nesta velocidade o quanto pude... a avenida estava estranhamente deserta. As curvas eram longas e permitiam acelerar. Meu cérebro calculava friamente as manobras, era como se eu estivesse em um autódromo naquela larga avenida deserta. Ao chegar a minha casa, subi lentamente as escadas, a neblina envolvente agora era densa cobrindo tudo. Abri a porta e deixei cair uma das cervejas que não quebrou. Liguei a tv e fiquei bebendo e fumando. O charuto tinha um gosto suave e adocicado. A fumaça era como a neblina lá fora, densa e envolvente. Na mistura de gostos estava o verdadeiro segredo da combinação, só lembro que adormeci.
Bem, ao acordar já era de manhã, estava esperando minha mulher, ela devia ter chegado... não consegui ir trabalhar... senti-me frio... olhei para fora e ainda havia neblina...Tentei telefonar, mas ninguém atendeu....nem o disk pizza... fiquei um tempo deitado e o dia passou todo enquanto eu ficava lembrando da velocidade. Quando a noite chegou percebi que eu havia mudado, só não detectava em que consistia a mudança. Olhei na garagem e lá estava o meu carro. Fiz o mesmo trajeto da noite anterior. Não havia ninguém nas ruas...
Bem, de lá para cá faço isto toda noite tentado entender se alguma coisa aconteceu comigo naquela reta, na hora que o motor falhou. Meus telefonemas ninguém atende. O telefone não toca e na rua não vejo ninguém. Tudo está sempre dramaticamente deserto. Além de rememorar aquela noite, o que faço e só ficar pensando... por onde anda minha mulher...
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Aventuras de John Stills na beira do porto.
A Vida Doce,
mais que nunca, reclama
pelo sol que abre os sonhos
aqui e em qualquer lugar.
A Poesia, sim!
Sempre a Poesia
é que abre o sol,
mesmo quando chove.
Doce Vida,
teus lábios beijo,
como amante te quero
desfrutar em abraços!
Boemia, minha amiga,
nunca me deixas só!
Vida Doce e Boemia,
as melhores mulheres
que um homem
pode ter!