O fato é que sentei, como de costume, no meu confortável canto e pedi cerveja. Estava as contas para ver até quando me sustentaria sem trabalhar. Absorvido pela matemática funerária, já que trabalho é morte na certa.
O pesadelo começou quando um bêbado inconveniente chamado Sócrates tentou conversar comigo. “Você não é daqui”, falou. Respondi que era de Marte e ele imediatamente apresentou-se. “Sócrates, cearense nascido em Manaus!”. Pronto, tudo estava indo de mal a pior. Virei a cadeira para mirar outra parede e o tal Sócrates começou a falar alto. Queria vender-me um relógio. Desses importados sabe-se lá de que oceano. Velha chatice dos bares. Velhacos que tentam vender relógios para otários. Fiquei queimado, mas calmo. Não dei a mínima para o tal Sócrates e ele, dialeticamente, ofendeu-se. Ele quis mostrar a foto de sua mãe, quer dizer, de uma puta qualquer que chamava de “meu amor”. Larguei alguma simpatia irônica que não lembro mais. Sei que acabei pegando a primeira garrafa que vi e tratei de pular como toureiro em Sevilha, me defendendo dos chifres do tal Sócrates. Ora, logo eu, que nunca me envolvo em conflitos corporais. Forçado pelo destino a estar na eminência de desmiolar um filósofo bêbado! Cinco ou seis malucos que estavam no bar trataram de dar um fim à comédia. O tal Sócrates continuou sua retórica tentando convencer outros filósofos bêbados da injusta deslealdade que eu havia cometido. “Garrafa não! É golpe baixo.” Só que o tal Sócrates, parece, já havia importunado meio mundo grego e todos ali aproveitaram o caso para lhe dar cicuta e condená-lo ao ostracismo. Continuei na minha, fazendo contas. Cheguei à conclusão que ele quis brigar comigo porque não gostava de ACDC.
Depois de horas, passado o perigo de uma revanche ou emboscada, saí caminhando em direção à praça. Olhei para o lado e vi o trem passando lentamente pela ferrovia. Em cada janela, uma mulher com uma flor branca no cabelo. Elas eram todas a mesma, todas iguais e tinham um olhar de ópio. Sorriam como Monalisa para o horizonte. Duzentos vagões passaram até que elas me vissem. Percebi que eram tatuadas na face com arabescos antigos. Pareciam dizer algo que não sei pronunciar. Assim que me fitaram, seus olhares transformaram-se de veneno opiáceo para ofídico. Senti medo. Apertei o passo. O trem começou a me seguir. Mais na frente, percebi que minha vida estava sob risco. Do telefone mais próximo, liguei para os irmãos Young. Quis perguntar se, afinal, eles sabiam o que estava acontecendo. Infelizmente não aceitam ligação a cobrar.
Senti sede e entrei novamente no bar. Olhei minha camiseta pelo espelho. Dois sinos gigantes e a frase “Hells Bells”. Tive certeza que tudo isso era uma piada. A mulher do trem entrou no bar a minha procura. O diabo, muitas vezes anda sobre delgadas pernas e com meias três quartos.
Depois de horas, passado o perigo de uma revanche ou emboscada, saí caminhando em direção à praça. Olhei para o lado e vi o trem passando lentamente pela ferrovia. Em cada janela, uma mulher com uma flor branca no cabelo. Elas eram todas a mesma, todas iguais e tinham um olhar de ópio. Sorriam como Monalisa para o horizonte. Duzentos vagões passaram até que elas me vissem. Percebi que eram tatuadas na face com arabescos antigos. Pareciam dizer algo que não sei pronunciar. Assim que me fitaram, seus olhares transformaram-se de veneno opiáceo para ofídico. Senti medo. Apertei o passo. O trem começou a me seguir. Mais na frente, percebi que minha vida estava sob risco. Do telefone mais próximo, liguei para os irmãos Young. Quis perguntar se, afinal, eles sabiam o que estava acontecendo. Infelizmente não aceitam ligação a cobrar.
Senti sede e entrei novamente no bar. Olhei minha camiseta pelo espelho. Dois sinos gigantes e a frase “Hells Bells”. Tive certeza que tudo isso era uma piada. A mulher do trem entrou no bar a minha procura. O diabo, muitas vezes anda sobre delgadas pernas e com meias três quartos.
Revirei-me na cama e a cena mudou. Estava ao lado de uma floresta transilvânica. Vi, na noite escura, uma criatura negra sobrevoando minha cabeça. Algo como um morcego gigante que ficou fazendo rasantes, emitindo grunhidos de filme de terror. Seria um vampiro? Corri feito louco, mas não havia para onde correr. Tropecei e cai em umas pedras. Não senti dor, mas senti aquele algo estranho me tocando. Aquela coisa tinha a textura das sombras. E foi envolvendo meu pescoço. Era terrível. Agarrei aquela coisa com força e a afastei tentando vislumbrar o que seria. Com muito esforço pude apenas ler: ACDC, Hells Bells.
Maldita camiseta. Até nos sonhos me aterroriza. Amanhã te afogo no sabão!